Publicada em 25 de julho de 2025
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, tributo de competência estadual e do Distrito Federal, conforme delineado no artigo 155, inciso I, da Constituição de 1988, incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos por sucessão legítima ou testamentária, ou por doação. No âmbito do planejamento patrimonial e sucessório, a figura do usufruto, enquanto direito real sobre coisa alheia, se apresenta como um instrumento jurídico de extrema relevância. Contudo, a sua extinção, por diversas causas legais, tem sido objeto de recorrentes questionamentos no âmbito do direito tributário, especificamente no que tange à incidência do ITCMD.
O usufruto, por sua vez, encontra previsão legal nos artigos 1.390 a 1.411 do Código Civil. Consiste na concessão ao usufrutuário do direito de usar e fruir de um bem, móvel ou imóvel, cuja propriedade pertence ao nu-proprietário. A essência do usufruto reside na temporariedade e na inalienabilidade do direito de uso e gozo, sendo este de caráter intuitu personae, ou seja, personalíssimo e intransmissível por ato intervivos ou causa mortis por parte do usufrutuário. A propriedade, nesse diapasão, é cindida: o nu-proprietário detém a substância do bem, enquanto o usufrutuário exerce os atributos de uso e fruição.
Em contrapartida, o ITCMD se apresenta como um tributo de competência estadual, cuja materialidade reside na transmissão de bens ou direitos. Tal transmissão pode ocorrer por duas vias: a) causa mortis, decorrente da sucessão hereditária; ou b) inter vivos, a título gratuito, por meio de doação. A sua base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos objeto da transmissão, e a alíquota aplicável é definida pela legislação de cada ente federativo.
No entanto, alguns Estados da federação vêm exigindo o recolhimento do tributo não tão somente na hipótese da doação, mas também no momento da extinção do usufruto. A legislação de Santa Catarina, por exemplo, mesmo com decisões judiciais desfavoráveis à tese, permanece dispondo no sentido da incidência do ITCMD em hipóteses de extinção de usufruto, ao passo que, em muitas oportunidades, contribuintes acabam recolhendo o tributo sem qualquer impugnação administrativa ou judicial do lançamento.
Isso posto, considerando a vedação legal em estender o alcance da aplicação do tributo, tem-se que após a extinção do usufruto, a propriedade é consolidada ao nu-proprietário, que novamente poderá dispor do uso, gozo, disposição e reivindicação do imóvel, não havendo nova hipótese de transferência, suficiente para incidir nova tributação.
Ou seja, a extinção do usufruto, seja por conta do termo final, morte do usufrutuário, renúncia expressa ou tácita, não se inclui na hipótese de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. Tal interpretação equiparativa é obstada pelo Código Tributário Nacional, em seu artigo 110, que dispõe no sentido de que a Lei tributária não poderá alterar definição e alcance definidos pela Constituição Federal.
Esse entendimento, inclusive, já é adotado em precedentes pátrios, do qual destaca-se do TJ-SC:
MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – TRANSMISSÃO ONEROSA DE BEM IMÓVEL – RESERVA DE USUFRUTO – RENÚNCIA POSTERIOR DO GRAVAME – AUSÊNCIA DE FATO GERADOR DO IMPOSTO – SEGURANÇA CONCEDIDA. Não incide o imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) na extinção do usufruto, que representa apenas a consolidação plena da propriedade perante o nu-proprietário. Segurança concedida; recurso provido. (TJSC, Apelação n. 5028161-50.2024.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 03-06-2025).
O ponto central da questão reside na compreensão de que a extinção do usufruto não configura uma nova transmissão de bens ou direitos, mas sim, a recomposição da propriedade plena nas mãos do nu-proprietário. Isso porque, desde a instituição do usufruto, o nu-proprietário já detinha o domínio do bem, ainda que desmembrado. A extinção do direito real de usufruto, portanto, não implica em um novo acréscimo patrimonial ao nu-proprietário, mas sim, na consolidação de um direito que já lhe era inerente, qual seja, a propriedade plena do imóvel.
A sólida e reiterada jurisprudência dos tribunais pátrios, que tem se posicionado de forma assente pela não incidência do ITCMD na extinção do usufruto, confere maior segurança jurídica aos contribuintes e consolida o entendimento de que a mera reunião da propriedade não gera nova obrigação tributária. Se torna necessário, portanto, que os operadores do direito e os contribuintes estejam vigilantes quanto à correta aplicação da legislação tributária, buscando, se necessário, a interpelação judicial para resguardar seus direitos e rechaçar exigências fiscais indevidas, em estrita observância aos preceitos constitucionais e legais que regem as hipóteses de incidência do tributo.
Desse modo, a extinção do usufruto, em suas diversas modalidades, não se qualifica como uma hipótese de incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. A consolidação da propriedade plena nas mãos do nu-proprietário representa a mera recomposição de um direito que já lhe era inerente, e não uma nova transmissão de bens ou direitos passível de tributação. A natureza intuitu personae do usufruto, sua intransmissibilidade e a ausência de um efetivo acréscimo patrimonial para o nu-proprietário são elementos que, em conjunto com o princípio da estrita legalidade tributária e o artigo 110 do Código Tributário Nacional, afastam a incidência do ITCMD.
Fonte: Conjur
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